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AudioLivro: Opúsculos por Alexandre Herculano - Tomo 06 por Alexandre Herculano
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UMA VILLA-NOVA ANTIGA
1843
Se passardes pelos olhos uma carta topographica de Portugal, em cada provincia, em cada comarca, talvez em cada pequeno districto, achareis escripto, ao lado de alguns d'esses signaes que marcam as povoações, a palavra Villa-nova: Villa-nova de Rei, de S. Cruz, de Gaya, de Cerveira;... que sei eu?--Villas-novas de todos os sobrenomes, e até villas-novas de ninguem e de nada; villas-novas espurias.
Villa-nova é o dom municipal, o dom villão; porque, por extravagante antiphrase, villa-nova quasi sempre indica um antigo burgo com suas rugas de velhice, com seu castello desmoronado, com seus vestigios de templo ou de palacio da meia-edade. Villa-nova moderna, sem pedras amarellas, tombadas, ogivaes, é cousa descommunal, milagrosa, e ao rés do impossivel. É que o passado, remoto, remotissimo, como o imaginardes, já foi presente, e então a villa que se alevantava ou no desvio, até ahi inculto e intractavel, ou sobre os vestigios de povoação deshabitada e destruida, era realmente nova; mas os seus edificadores esqueciam-se, ao dar o nome à obra das proprias mãos, que elles passariam bem depressa e com elles a mocidade da sua filha querida; esqueciam-se de que o correr dos annos brevemente havia de converter em palavra sem sentido essa denominação que lhes parecera tão clara e precisa. Aos primeiros respiros de paz e segurança, depois das guerras barbaras de religião e de raça que devastaram outr'ora este solo portuguez, o espírito municipal ia semeando os concelhos ao passo que debaixo dos marcos das fronteiras christãs se embebia o territorio mussulmano, e então acontecia que o burgo, recentemente plantado em terra até ahi erma e safara, ou sobre as ruinas carcomidas de municipio romano ou godo, sentindo-se cheio de vida e de esperanças, folgava de contar ao mundo no proprio nome a sua juventude, e tomava para si o título tão querido, tão popular, tão casquilho--de Villa-nova.
E às vezes as villas-novas vinham encostar-se aos muros carrancudos e robustos das cidades reaes ou episcopaes. Eram como uma criança rosada, risonha, travessa, que se atira ao collo da velha rebarbativa, e se lhe pendura ao pescoço, e desata a rir--a bom rir. Acontecia também que uma ou outra ia assentar-se à beira de um rio, defronte de povoação orgulhosa, e similhante a trasgo inquieto zumbia-lhe insolentemente aos ouvidos, e desangrava-a roubando-lhe o seu commercio: mettia-se até em bandos politicos para lhe fazer perraria; e inimiga d'ao pé da porta não havia casta de incommodo que lhe não causasse. Que outra cousa fez Villa-nova de Gaya ao burgo episcopal do Porto, burgo tão grave, tão sério, tão devotamente enroscado em volta da sua cathedral, aos pés dos seus sanctos bispos? Quem, senão Villa-nova de Gaya, assoprou provavelmente entre os honrados burguezes da cidade do Douro aquelle espírito de irmandade e revolta que tanto veio depois a incommodar os successores do veneravel D. Hugo?
Lisboa--guerreira e depois mercadora--também teve, não uma, mas duas villas-novas abraçadas à sua cinta de muralhas: a primeira ao sul, a segunda ao poente. Chamava-se aquella Villa-nova de Gibraltar: esta Villa-nova d'Andrade. A segunda, nascida no século XV, viveu dois dias apenas, porque Lisboa, essa villa[1] limitada nos fins do século XII a 15:000 habitantes, em quanto a mourisca Silves contava 25:000, cresceu com tal rapidez na época dos descobrimentos que, rompendo ou, antes, galgando por cima dos lanços occidentaes dos seus muros, a devorou ainda no berço, ou para melhor dizer partiu-a em fragmentos, e aos seus membros despedaçados chamou Bairro-alto, Chagas, Sancta Catharina. Villa nova d'Andrade foi uma cousa fugitiva, sem gloria, sem individualidade. D'ella poderia dizer-se o que o psalmista dizia do impio--´vi-a exaltada como o cedro do Libano: passei, e não existia; busquei-a, não lhe achei rasto.ª Deixemol-a, pois, na paz do esquecimento e do nada.
Não assim Villa-nova de Gibraltar. Fallae-me de Villa-nova de Gibraltar! Esta sim, que viveu. A sua origem perde-se nas trevas dos tempos chamados barbaros, entronca-se no berço da monarchia. Assentada à beira do Tejo, fôra do lanço de sul e sueste da muralha árabe, ou talvez goda (quem poderá hoje dizê-lo?!), que cercava Lisboa antes do século XIV, saudavam-na os primeiros raios do sol oriental, aqueciam-na todos os do alto dia, douravam-na os derradeiros que vinham do poente roçando pela superficie das aguas. A cidade lá estava sombria entre as torres e altos muros da sua cerca; agachada nas faldas do seu castello soberbo e malcriado; prostrada em volta da sua cathedral ampla e triste. Mas que importava isso a Villa-nova de Gibraltar? Aí não havia nem muros, nem torres, nem castellos, nem campanarios. Ella mirava-se no rio, e achava-se bella; bella por si e pelo luxo dos seus atavios; porque Villa-nova de Gibraltar era a atravessadora de quasi toda a mercancia; a patria dos rendeiros e sacadores das rendas e direitos reaes: era rica e potente; e ao sobrecenho altivo da velha Lisboa, confiada na sua epiderme de marmore, respondia ella mostrando a sua armadura d'ouro, e depois punha-se a rir, porque bem sabia já, como nós hoje sabemos, que o ouro é mais forte que o marmore.
D. Fernando I, que foi para com Lisboa como um amante selvagem, ora querendo aniquilal-a porque lhe preferia em amores o alfaiate Fernão Vasques, ora lançando-lhe no regaço riquezas, privilegios, tudo, quiz n'um acesso de ciume escondel-a aos ol
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