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AudioLivro com Voz IA: Ambições: Romance por Ana de Castro Osório

AudioLivro: Ambições: Romance por Ana de Castro Osório

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AMBIÇÕES

ROMANCE

1903

LIVRARIA EDITORA GUIMARÃES, LIBANIO & C.IA 108, Rua de S. Roque, 110 LISBOA

I

É na botica d’uma villa de provincia, velho burgo acastellado, orgulhoso dos seus foraes e brazões como da nobreza que em tempos d’alli sahiu e se espalhou pelo reino, deixando fortes raizes na terra, que ainda exporta fidalgos como podia exportar qualquer mercadoria.

Despoetizada pela moda que tudo confunde e baralha e pela turba de veraneadores que a procuram para refazerem os pulmões e os nervos, a que os invernos de Lisboa esgotam a energia, é ainda assim das mais typicas e formosas da provincia.

Afóra dos muros, os campos estendem-se verdes—do verde escuro dos pinheiros, do verde cinzento das oliveiras, do verde brilhante dos castanheiros... de longe em longe, manchas risonhas de pomares, salpicadas de casaes brancos, com recortes de velhos campanarios, fachadas ennegrecidas dos antigos solares, e as ermidas caiadas nos cimos dos montes cobrindo com um leve e translucido véo de mysticismo pagão a hilariante festa da natureza.

Nada mais proprio, em verdade, para uma villegiatura alegre, do que esse recanto de provincia,—valle ameno entre montanhas, com o rio cachoando ao fundo, deslisando mais adeante entre salgueiraes, como assustado da sua propria fúria.

Ha alli de tudo para deleite dos ociosos que no verão passeiam pelas provincias os tedios e as toilettes da moda.

Para os pic-nics, a sombra de velhas arvores em quintas senhoreaes; o rio, com as madrugadas de pescarias alegres; e lá para setembro a caça a rôdos pelos matagaes da serra; e para cúmulo as estradas bem conservadas pelo interesse que a gente da villa mostra em dar boa conta de si perante a civilisação dos pur-sangs e dos cocheiros inglezes.

Mas estamos no inverno, n’uma fria tarde de fins de janeiro. Ora o que se hade fazer no inverno n’uma terra de provincia, quando a neve cobre o cimo das serras e o vento corta as carnes como vergastadas? Procura-se então um bocado de sociedade para encurtar as noites sempre grandes para os preguiçosos e os paroleiros.

Vae-se para a botica, pois para onde se hade ir?...

Aquillo é o club, o centro onde tudo se reúne e as novidades se sabem e commentam, primeiro que em parte alguma.

Toda a gente tem entrado n’uma pharmacia e conhece mais ou menos o cheiro especial dos remedios, o feitio classico dos boiões das pomadas, os frascos bojudos com tampas de vidro e letreiros em grossas lettras sábias, os passaros empalhados entre o aquario com peixesinhos vermelhos e a balança na sua maquineta de mogno polido.

Em coisa alguma sahia dos antigos moldes consagrados a propriedade do sr. Domingos José da Silva, chamada a botica velha, para se distinguir da nova: envernizada de fresco, com mobilia de casquinha folheada em mogno, fabricado n’uma marcenaria do Porto.

Comtudo, a velha pharmacia rotineira e modesta não perdêra os freguezes antigos, como se não cançava de o apregoar o seu feliz dôno, que não soffria sem verdes olhares d’inveja o luxo sybarita do competidor.

Por largos annos fôra o unico pharmaceutico n’umas poucas de leguas em redor e gabava-se que não havia quem lhe levasse a palma na confecção d’umas certas pastilhas contra os vermes. Essa e a dos cães damnados eram muito suas e a ninguem as daria senão no ultimo arranco.

Mas um dia—questões de politica, infamias, invejas!...—eis que lhe surge pela prôa a nova pharmacia, com proprietario rapaz a modos litterato e suas vistas altas de quem tem um curso e faz os rótulos em latim.

Ia tendo uma apoplexia o sr. Domingos! A cada innovação que o seu rival trazia ás velhas costumeiras de botica provinciana, elle desabafava em murros no mostrador e furioso sorver de rapé.

Andou atrapalhado uns tempos. O filho aconselhava que mandasse dar uma pintadella ás portas, comprasse estantes e livros encadernados, e lá emquanto aos letreiros mandava-se ao mano, que estudava no seminario, que os escrevesse.

—Que não!—berrava o velho em vermelhas guinadas d’orgulho—que assim tinha vivido sempre e assim queria morrer; que levasse o diabo os modernismos!

N’estes sentimentos era appoiado pela mana Joaquina, resmungando sempre encatharroada contra as novidades e contra o rheumatismo que mal lhe deixava arrastar as pernas trôpegas.

Mas o caso é que a botica nova não lhe tirou freguezia, apezar dos fumos de sabichão do pharmaceutico, porque a boa gente da provincia gosta sempre de andar pelo seguro:—, diziam elles, temo-nos governado com o sô Domingos, e com as suas drogas nos iremos medicando; nada de venenos, que são os remedios novos!

E batiam familiarmente nas costas do velhote, que esfregava as mãos triumphante.

Passára-lhe já a maior furia, mas o rancor ficára latente e resmungão, como cachorro mal acostumado ao canil. Pessoa que, por acaso, ou propositadamente, entrasse na nova—como dizia com ironico despreso—era certo incorrer para sempre no desagrado geral da familia.

Mas, isto era ao accender dos candieiros de petroleo,—não chegou ainda a civilisação do gaz a todos os cantos de Portugal—por um fim de dia de frigido janeiro.

Lá fóra a escuridão fazia-se

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