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AudioBook: A espada de Alexandre por Camilo Castelo Branco
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A ESPADA DE ALEXANDRE.
CORTE PROFUNDO NA QUESTÃO DO HOMEM-MULHER E MULHER-HOMEM
POR
UM SOCIO PRENDADO DE VARIAS PHILARMONICAS
PORTO TYPOGRAPHIA DA CASA REAL Praça de Santa Thereza, 63
1872
A ESPADA DE ALEXANDRE.
A ESPADA DE ALEXANDRE.
CORTE PROFUNDO NA QUESTÃO DO HOMEM-MULHER E MULHER-HOMEM
POR
UM SOCIO PRENDADO DE VARIAS PHILARMONICAS
PORTO TYPOGRAPHIA DA CASA REAL Praça de Santa Thereza, 63
1872
CARTA AO MEU VISINHO RAIMUNDO,
POETA LAUREADO NA «AGUIA-D'OURO»
MEU CARO SENHOR E VISINHO!
Era por uma noite de lua cheia do agosto preterito. Estava eu á janella do terceiro andar, onde moro, n'esta fragrante rua das Congostas, ninho de poetas e philosophos, floresta ramalhosa onde v. s.ª regorgeia as suas lyras, e eu medito Theophilo e Rozalino Candido.
Estavam então v. s.ª e sua esposa, com as vidraças erguidas, banhados de resplendores da lua, altercando em voz alta a respeito de um livro de Alexandre Dumas-Filho, obra que por ahi gira com o titulo hermaphrodita de HOMEM-MULHER.
Dizia sua esposa que o auctor do livro atacava o direito, a justiça, a religião e o pudor. Replicava o snr. Raimundo que o auctor do livro não atacava nada; pelo contrario defendia tudo.
Redarguia s. exc.ª que a mansão conjugal não é açougue, nem a esposa vaca, nem o marido megarefe. Recalcitrava v. s.ª que a esposa devia considerar-se vaca, desde que o marido era boi. L'Homme-Femme--Le Boeuf-vache! Está claro.
Contenderam largo espaço os meus prezados visinhos n'este honesto certame; e, ao mesmo passo que mutuamente se illustravam nos deveres de cada um, abriam no meu cerebro um jacto de philosophias que eu passo a golphar aos quatro ventos da terra.
Os sentimentos bem ou mal expendidos n'esta carta, meu prezado visinho, são uma especie de prolegómenos com que tenciono predispor os animos para a representação de uma tragedia, em que trabalho ha muito, intitulada O homem de Claudia. Não se presuma, porém, que eu venho com esta noticia aliciar espectadores para a minha tragedia no Theatro-Circo. Não, snr. Raimundo. Eu sou publicista da eschola de Mestre Theophilo--o symbolico,
.......... um que tem nos MALABARES Do summo sacerdocio a dignidade,
como a respeito d'elle vaticinou Luiz de Camoens, no Cant. X, est. 11.
Publico um livro, sei que ninguem m'o compra, nem m'o lê; mas convenço-me, á laia do mestre, que os meus livros ensinam tudo que os outros sabem. Esta ronha pegou-m'a elle, o Grão-Lama, que imagina fazer reformas de raças com os seus livros de dentadura anavalhada como Cadmus fazia homens com a dentuça do dragão. Ajoujei-me, pois, na canga d'este pedagogo, e vou bem.
Revertendo ao ponto:
Affirmam auctores de boa nota que a mulher é femea, femina. N'este parecer abundam D. Antonio Ayres, bispo do Algarve, na «Reforma» do aprisoamento, e Bento Pereira, na Prosodia. Auctoras tambem de boa nota asseveram que o homem é macho. Do inlace e coezão d'estas entidades heterogenias forma-se o Macho-Femea, o colchete phyloginio. Faça-me o favor, snr. Raimundo, de alçapremar o seu intellecto á altura d'estes principios. Em materias transcendentes seja-me aguia e não kágado.
No principio do mundo (não iremos mais longe por em quanto) extrahiu Deus a femea do intercôsto do homem. Aurora do paraizo! Então era a costella do homem que dava a mulher; hoje em dia, ha homens com todas as costellas partidas por que desejaram uma ou duas mulheres! O lombo do rei da creação perdeu bastante da sua importancia desde que os nossos irmãos anthropophagos pegaram d'extrahir d'elle sandwichs.
Este exemplo indelicado seduziu a esposa a considerar o marido uma substancia comestivel entre o prezunto de javali e o fiambre de viado. D'ahi, o desacato, o deslize d'aquella patriarchal idolatria com que dez centos de mulheres genuflectiam ao sancto rei Salomão.
Abastardado o antigo preito da costella ao costado, da parte ao todo, os philosophos inventaram a alma para d'alguma fórma afidalgarem a juncção da carne á carne, do osso ao osso--phraze biblica sobremaneira bonita e aziatica. Ideada a alma, cumpria ungir com os oleos mysticos o pacto da alliança entre alma e alma. Accudiram os canonicos com a invenção do sacramento.
Espero que o meu visinho não ignore inteiramente que os Sacramentos são sete. E, se esta sombra de duvida offende a sua orthodoxia, sirva-me de desculpa aquillo de Plutarcho no seu tractado «Da maneira de lêr poetas.» Diz elle: «A religião, coisa difficil de perceber, está acima da intelligencia dos poetas». Mas do sacramento do matrimonio sei eu que o snr. Raimundo, sem embargo do seu alto lyrismo, percebe o essencial, porque eu mesmo o ouvi dizer a sua esposa:
«O matrimonio foi divinamente instituido». Por signal que ella, áttica e sceptica, lhe respondeu:--Bem me fio eu n'isso!
E a razão de sua esposa duvidar da procedencia divina da instituição, meu caro visinho, eu lhe digo em que bases se funda.
Instituição divina ha só uma: é o mundo. Esta crença hade prevalecer emquanto meu mestre Theophilo não quizer provar que o mundo é obra dos mosarabes. Divino é tão sómente aquillo que humanamente se não faz. Os sonetos de v. s.ª, por exemplo, não me parecem absolutamente de instituição divina. O cazamento tambem não, por que em tal acto influem o amor, o interesse, o medo, a vergonha, o reumatismo, a papa de linhaça posta por mão de esposa carinhosa nas irritações do apparelho digestivo, etc. Estas coisas são tão divinas como eu; e, senão ouso dizer como o visinho, é por que v. s.ª, na sua qualidade de bardo, tem lumes divinos, mens divina; arde, fumega, evola-se como Elias--volatisação de que se não gabam aqui os nossos visinhos pecuniosos por que o dinheiro pucha por elles para baixo como os elythros pela tartaruga.
V. s.ª sabe que, na antiga Germania, consoante Cornelio Tacito descreve, aquelles barbaros ditosos cazavam-se sem sacramento, sem sacerdote e sem templo. O noivo, em presença de parentes seus e da noiva, dizia-lhe: «Recebo-te como minha legitima mulher, para
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